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3.0 hrs on record
Um jogo... Hum... "bonitinho" não é bem a palavra certa. Vamos dizer que "divertido", no sentido mais amplo possível. Me lembra bastante *Cruise for a Corpse*, com seu foco em saber as rotinas dos passageiros do navio e sua liberdade para andar no convés e fazer as coisas em várias ordens. Obviamente, a diferença crucial é que aqui em vez de tentar desvendar um assassinato, você quer escondê-lo. Cumprir esse objetivo básico é surpreendentemente simples, mas logo o jogo te dá outros objetivos para te motivar a jogar de novo, tentando abordagens diferentes, interagindo com outros personagens, etc.

Essa rejogabilidade acaba sendo uma faca de dois gumes, entretanto. Você precisa de bastante conhecimento prévio e informações que só descobre através de várias partidas para conseguir alguns finais e achievements. Isso acaba dando a sensação de que você está apenas decorando as melhores opções para seguir o caminho que quer no final. É um processo muito mais indutivo do que dedutivo - e uma indução às vezes feita por pura força bruta, simplesmente esgotando-se todas as possibilidades. Que de certa forma é a verdade para qualquer adventure, principalmente CYOAs, mas pelo menos alguns disfarçam melhor isso.
Posted 15 April, 2024.
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3.6 hrs on record
Bem interessante, apesar de não muito bem sucedido no que quer ser. É uma mistura de ficção interativa, estratégia em turnos e roguelike. Eu sei nenhuma dessas palavras está na Bíblia. Na teoria, essa mistureba herética criaria uma experiência com alta rejogabilidade e variedade narrativa. Na prática, nenhuma dessas duas coisas.

Pra ficar claro, Pendragon é legal! É bem escrito, bonito e com a princípio combate competente. Como uma experiência curtinha de no máximo um par de horas funciona muito bem. Só que claramente essa não é a intenção do jogo. Com nove personagens, sete níveis de dificuldade de um montão de eventos aleatórios e conteúdo gerado proceduralmente, Pendragon quer ser um simulador da queda de Camelot que pode ser jogado e rejogado várias e várias vezes. Mas depois da minha terceira partida já estava me sentindo mais do que satisfeito, e a quarta e quinta só me deixaram com gosto amargo na boca.

O grande problema é que a variedade de eventos narrativos não é grande o suficiente para justificar jogar diversas vezes, e nem o combate engajante o suficiente para te manter entretido a despeito dos eventos e diálogos repetidos ou similares. Se qualquer coisa, o combate é um grande desmotivador. Simples demais para ser interessante e em dificuldades maiores imperdoável demais para não incomodar. Perder uma campanha por causa de um movimento errado - ou, pior, porque o RNG decidiu não agraciá-lo com uma habilidade útil - para então ter que rever os mesmos diálogos e eventos mais uma vez não é lá muito prazeroso.

Pendragon acaba sendo um exemplo claro de rendimentos decrescentes. Cada nova partida foi reduzindo um pouco meu apreço pela obra. Felizmente parei a tempo de sair da experiência pensando "legal, valeu a pena, mas vamos pro próximo game".
Posted 14 March, 2024. Last edited 14 March, 2024.
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41.0 hrs on record
As duas inspirações mais óbvias se Moonring são *Ultima IV: Quest of the Avatar* e *Rogue*. Do primeiro, temos o overworld, o sistema de progressão não-tradicional, a ambientação e quest design; do segundo, as dungeons geradas proceduralmente e o combate tático e dinâmico.

Só por suas influências este jogo já é notável. São pouquíssimos os games que tentam emular a série clássica de Richard Garriot para além da interface... Tão poucos que, sendo bem sincero, só conheço mesmo a série Ultima! Bem, conhecia, porque Moonring faz um excelente trabalho sendo um sucessor espiritual, com bastante foco na conversa com NPCs, bastante exploração das cidades, uma quest com várias pegadas de adventure e um enredo mais filosófico.

Mas por mais que eu ame Ultima por essas coisas, a série é um Oldschool RPG com O maiúsculo, então tem uma boa parcela de combate e dungeon crawling. E Moonring também, mas nesses aspectos sua inspiração é Rogue, não Ultima. Sempre que você entra em uma dungeon o nível é gerado proceduralmente e todo o combate é top-down e por turnos. O gerenciamento de recursos e uso tático de suas habilidades e itens é de suma importância — grindar níveis não é realmente uma opção, e apesar de equipamentos melhores fazerem uma boa diferença, mesmo com o básico do começo do jogo dá pra se virar. Se você morrer, volta pro início e um novo layout da dungeon é gerado. Há variedade o suficiente de inimigos e layouts para não tornar a experiência cansativa e o combate é bem divertido.

O quest e world design de Ultima com o combate e dungeon crawl de Rogue. O melhor de dois mundos. Não tem como dar errado, certo?

... E realmente não dá! Moonring usa suas influências de forma bem consciente para fazer um RPG que poderia muito bem ter saído no início dos anos 1980, mas sempre com sua abordagem única para o resultado ser mais que uma mera cópia. Melhor, mesmo podendo caminhar confortavelmente ao lado de suas inspirações, Moonring não deixa de ser eminentemente moderno, com várias funções que aumentam sua usabilidade para audiências modernas: palavras-chave são marcadas durante o diálogo, há um sistema de notas automáticas muito útil, auto mapping, auto saving, NPCs que você não conversou são marcados, dá pra controlar usando só o mouse ou só teclado, e vários outros toques.

Tudo isso pelo baratíssimo preço de De Graça.
Posted 19 February, 2024.
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23.5 hrs on record
Sentimentos mistos definem minha experiência com Heaven's Vault. Teoricamente, ele tem tudo o que gosto. Não, sério, _literalmente_ eu gosto do arcabouço teórico dele.

A narrativa se centra numa disputa do que _é_ a História e seu papel social e cultural. Por um lado, temos os detentores da "História Oficial", que paradoxalmente baseiam sua legitimidade na História ao mesmo tempo em que querem destruí-la como ciência. Para eles a história não é uma investigação do passado; ela é uma justificativa do presente e uma prescrição do futuro. Disputar a "História Oficial" é o mesmo que sedição. Em contrapartida, a protagonista acredita que a História é mais do que uma narrativa fixa. O passado é um repositório armazém de possibilidades não-realizadas, cujo horizonte de expectativas não era simplesmente o tempo presente. Esse armazém não tem um dono: é nosso legado coletivo. Só faltava o nome da protagonista ser Koselleck, sério.

Toda essa teoria é posta em prática de forma razoavelmente bem-sucedida. A mecânica principal de desvendar um sistema de escrita antigo é mais permeado de dúvidas e exige vários palpites e saltos lógicos de sua parte - e isso é bom! Realmente historiadores têm que assumir muitas coisas porque às vezes o passado parece ser agressivamente hostil contra aqueles que tentam desvendá-lo. Se corrigir ao conseguir nova evidência e ver suas hipóteses desmoronando é parte do dia a dia de qualquer cientista, e o jogo simula isso muito bem.

Outra aspecto que o jogo simula muito bem é como muitas vezes pesquisa é algo... Chato. Por mais que você tenha interesse na área, é inegável que catalogar coisas minuciosamente e ver seu progresso andar a passos de tartaruga não é exatamente algo excitante, por mais recompensador que seja no final das contas.

Esse tédio acaba sendo o Calcanhar de Aquiles do jogo. Não acho que o trabalho do historiador deveria ser romantizado, pelo contrário, a inclusão das características menos glamourosas da disciplina foi uma decisão acertada. Mas mesmo outras coisas que não precisam ser tediosas acabam, com o tempo, virando um fardo. O game é ambientado num mundo scifi semi-solarpunk super inspirado em Planeta do Tesouro cheio de ruínas de civilizações antigas e uma diversidade de planetas para explorar. E toda vez que eu entrava nos rios cósmicos ficava com um pouco de sono e invariavelmente pensava "já chegamos?". Não sei vocês, mas na minha cabeça navegar por rios cósmicos descobrindo planetoides de uma civilização perdida não deveria me deixar com essa sensação...

Pra ser justo, no começo fazer isso é realmente legal. Mas o ritmo do game é deveras lento e a variedade de coisas pra fazer pequena demais pra carregar a aventura por mais de 20 horas, que foi o tempo que levei pra zerar. E o game ainda por cima espera que você zere mais uma vez para ter um entendimento mais aprofundado da história? Aí é comprometimento demais pra mim.

Se Heaven's Vault fosse uma aventura mais enxuta, de digamos umas 8 horas, teria potencial para ser um de meus favoritos. Apesar de nossa fama de falastrões, historiadores sabem apreciar o poder de uma boa síntese.
Posted 19 February, 2024.
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11.5 hrs on record (11.1 hrs at review time)
The Forgotten City me acerta em cheio em várias coisas. Para começar na ambientação, que é uma das melhores representações que já vi da cultura romana. Fizeram um fidedigno trabalho antropológico criando personagens cujo comportamento moral esbanja autenticidade. Os devs claramente têm um forte embasamento em retórica, filosofia e política romanas, e souberam utilizá-lo para criar uma narrativa que te prende desde o início.

E te prende até o final também, mas não com a mesma força. Depois de vários tropeços de amadorismo compreensíveis no meio, e seções completamente desnecessárias de ação que não deveriam estar nesse jogo, a conclusão de sua trajetória pela cidade esquecida é... Memorável, mas não exatamente pelos motivos corretos. Mas interessante de qualquer forma. E o posfácio é bem satisfatório!
Posted 27 November, 2023.
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8.2 hrs on record (8.1 hrs at review time)
Joguinho curto, bem feito e com música gostosa pra caralho.
Posted 23 April, 2023.
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85.5 hrs on record (61.1 hrs at review time)
Sempre estive na periferia dos jogos de Luta, numa relação não muito diferente da que tinha com shmups: acho eles bonitos, gosto de jogar de vez em quando e entendo o apelo, mas nunca tive a dedicação necessária para me aprofundar no gênero.

YOMI HUSTLE é a exceção à regra. Ele elimina completamente uma das maiores barreiras para se dominar o gênero — a execução de comandos —, traduzindo de maneira genial a experiência de um fightan para um jogo baseado em turnos. Com isso, sobram apenas os mind games e combos alucinantes que tornam jogos de luta tão atrativos.

A interface do jogo assusta um pouco no começo e seu visual aparentemente simplista pode fazer alguns questionarem onde está o apelo. Mas é só uma questão de costume. Fora o fato de ser em turnos, YOMIH segue fielmente os princípios do gênero. Se você já jogou algum fightan, já está mais que preparado para aprender a jogar YOMIH e até dominá-lo em duas ou três partidas. E se por um acaso você não conhece nada do gênero, YOMIH é uma excelente porta de entrada, com sua acessibilidade incomparável e a forma como expõe explicitamente e didaticamente alguns conceitos mais espartanos do gênero como Frame Advantage e Directiona Influence.

Outra coisa que YOMIH fez comigo que nenhum jogo de Luta antes conseguiu: tornar até a experiência de perder divertida. Ao final de cada partida há um replay com todas as ações sendo executadas em tempo real. Esses replays curtos, que raramente passam dos 30 segundos, são *maneiríssimos* e servem como uma recompensa por você ter ficado até o fim da partida, ganhando ou perdendo. Mesmo levando sovas humilhantes várias vezes eu sempre saía de uma luta bem satisfeito por causa disso — mas claro, quando eu vencia a sensação era ainda melhor, e mostrar o replay daquela vitória incrível para os amiguinhos é legal demais.

O único "problema" do jogo é que o sistema online é apenas funcional. Não há ladders ou um sistema de matchmaking no jogo base, com servidores rankeados sendo uma adição da comunidade através de mods e toda a nascente cena competitiva sendo gerenciada puramente pela comunidade. Coloco "problema" entre aspas porque o jogo foi feito por literalmente apenas um cara e custa míseros 5 dólares (ou 16 reais), então, na moral, é o tipo de coisa que seria legal mas é perfeitamente compreensível não ter.
Posted 11 March, 2023.
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23.9 hrs on record (23.2 hrs at review time)
Outer Wilds é um jogo sobre achar sentido nas coisas. Mais especificamente, é um jogo sobre criar sentido onde não há.

Os Nomai tomaram como o sentido de suas vidas e a missão de sua espécie encontrar o Eye of the Universe, interpretando seu sinal como um literal chamado e até atribuindo-lhe consciência. Mas o Eye apenas... Existe. Ele apenas é. Seu sinal é tão significativo quanto a luz de uma estrela ou as ondas magnéticas de um pulsar; e os fenômenos bizarros que acontecem em sua proximidade tão naturais (e misteriosos, como podem afirmar os astrofísicos de plantão) quanto a gravidade ou o eletromagnetismo.

O sentido que os Nomai deram ao Eye of the Universe foi puramente fabricado. Mas isso não significa que ele não tem importância. Pelo contrário, é graças a esse sentido que eles continuaram explorando, observando, criando e experimentando mesmo diante das inúmeras adversidades que encontraram ao chegar num sistema solar particularmente hostil.

Você, como jogador, também irá procurar em sua aventura um sentido que não existe — e provavelmente criar um. Afinal, as várias perguntas com que você se depara *têm* que ter uma resposta, certo? Por que o sol está explodindo? Por que você está preso num loop temporal? O que aconteceu com os Nomai? O que é o Eye of the Universe? Qual a relação disso tudo?

Por quê?

No final, várias respostas são encontradas. Mas, em vez de revelar um sentido, elas apenas o destroem. O sol está explodindo porque chegou ao final de seu ciclo de vida. Não há nada de malicioso por trás desse fenômeno: esse é o destino de todas as estrelas do universo. O loop temporal? Um mero acaso, uma coincidência. Uma tecnologia vestigal nomai que foi ativada com a explosão do sol. O destino dos nomai? Mortos pela explosão de um cometa não relacionado, que entrou na órbita do sistema solar. O Eye of the Universe? Um fenômeno natural que não vai salvar sua vida ou a do seu sistema solar, por mais intrigante que seja. A relação disso tudo? Aquela que você criar em sua cabeça.

Por quê? Porque sim.

Nada faz sentido. Mas nada precisa fazer sentido. E só porque as coisas não têm um sentido inerente não quer dizer que você não pode apreciar e se importar com as coisas que aprendeu, pessoas que conheceu e lugares que descobriu. Um dia tudo chegará ao fim. O próprio Universo está destinado a morrer. Mas, até lá, podemos apreciar a jornada.

O sentido da vida é dar sentido à vida.
Posted 27 January, 2023.
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105.2 hrs on record (90.3 hrs at review time)
Se você começar uma nova partida de ZeroRanger e matar as ondas iniciais de inimigos perfeitamente, uma coisa bem bacana acontece. Quanto mais inimigos você mata em sequência, mais cresce seu multiplicador de pontuação. Se você não errar o alvo nenhuma vez na introdução, vai atingir o multiplicador máximo ao mesmo momento em que as luzes da cidade futurística ao fundo começam a acender. Nesse exato momento, como que motivado pela mudança de cenário, uma voz eletrônica ressoa "MAXIMUM" e a música do jogo começa a ficar mais animada. Tudo isso ocorre nos primeiros 20 segundos iniciais do jogo. 20 segundos. Esse foi o tempo necessário para eu me apaixonar por ZeroRanger.

Andando na contramão da tendência que o gênero tem de tentar agradar seus fãs mais hardcore, ZeroRanger é (deliberadamente) bem mais acessível que muitos de seus congêneres, quase ao ponto de podermos dizer que é um jogo "fácil" para os padrões da categoria. De fato, numa comparação direta com clássicos famosos como Gradius, a conclusão de que estamos lidando com um jogo bem mais "perdoável" é quase lógica. Por exemplo, sua nave não morre com apenas um tiro: ela começa com um mínimo de 3 de HP, podendo chegar a 5, e tem a chance de recuperar o HP perdido durante as partidas se sua pontuação for alta o suficiente. Colisões com inimigos ou obstáculos, que significam morte sumária em grande parte dos shmups, também tiveram sua punição atenuada, sendo necessário choques repetidos ou muito intensos para lhe causar dano. Se apesar disso tudo você morrer mesmo assim, mais uma vez o jogo lhe dá um empurrãozinho. Apesar de inicialmente você não ter continues, seus pontos acumulados durante a partida enchem uma barra que, quando completa, lhe dão um continue permanente para as próximas partidas. Você pode acumular um total de oito continues assim, um número razoável para você tentar várias vezes e melhorar no jogo sem trivializar tudo com chances infinitas. E, num exemplo final de piedade, você não precisa recomeçar o jogo do zero, podendo selecionar uma nova partida do começo da última fase em que chegou, preservando todos os seus continues e upgrades de armas.

Com tanto generosidade, pode parecer que ZeroRanger só será capaz de colocar naquela zona mágica entre vida e morte, de trazer aquela sensação de constante superação, à pessoas novas no gênero ou não muito experientes. Talvez isso seja mesmo verdade, mas não considero de forma alguma um aspecto negativo. Como um sábio game designer uma vez disse, "é bom lembrarmos que há muito mais crianças e novatos do que gamers". Mas mesmo que seu foco seja novatos, ZeroRanger ainda tenta o levar até esse limite. Ele foge do erro comum de que porque seu público-alvo é mais inexperiente ele deve receber tudo de bandeja. Acessível? Sim. Trivial? De forma alguma.

Mais importante do que tentar ser acessível sem trivializar a experiência, ZeroRager também tenta usar sua acessibilidade como um elemento pedagógico sem cair na armadilha de ser condescendente. Veteranos do gênero têm um monte de regras implícitas de como ele funciona, as mais proeminentes sendo a já discutida "1cc" e o foco em adquirir altas pontuações (highscore). A forma como você consegue mais continues em ZeroRanger acaba imbuindo no jogador o mindset de que às vezes é melhor recomeçar do zero do que continuar de onde parou, já que sua pontuação será maior assim e, portanto, você conseguirá encher a barra de continues mais rapidamente. Melhor ainda se o jogador conseguir sobreviver por mais tempo: seu score acumula muito mais rápido quanto mais longe você consegue chegar, então uma única run mais longa pode te dar bem mais pontos (e continues) do que vária runs curtas. Logo você estará num ciclo vicioso, tentando chegar o mais longe possível com apenas uma vida. Sem perceber, e sem a necessidade de que alguém te diga de forma explícita, você estará jogando ZeroRanger do "jeito certo".

Tudo isso culmina no True Final Boss. Quando você pensa que já não tem mais motivos para jogar do "jeito certo", que já adquiriu o máximo de continues e destravou todas as fases, que só lhe resta fazer o último estágio e vencer o chefe final, o jogo mais uma vez lhe dá *excelentes* motivos para fazer uma 1cc (ou o mais próximo disso) - e, dessa vez, os motivos são mecânicos *e* narrativos.

Há algumas coisas a se considerar em relação a como shmups lidam com a narrativa. Não creio ser exagero dizer que na maioria da cabeça das pessoas esse é um gênero em que elementos narrativos são vistos como secundários, no mínimo. No limite, STGs são vistos como experiências puramente estético-mecânicas por alguns, algo muito próximo do gênero de twitch. Talvez isso seja pelo fato de eles serem um dos primeiros gêneros de games a se consolidarem e por isso mantém essa aura da pureza mecânica ou pelo menos de uma precedência da gameplay ante ao narrativo. Entretanto, mesmo um conhecimento mais superficial do gênero vai te fazer perceber que isso é apenas um estereótipo... Mas como muitos estereótipos perniciosos, ele não rejeita a realidade, apenas a exagera. Sim, muitos shmups têm uma narrativa que fica muito mais implícita e é possível apreciar vários shmups sem prestar atenção a história. Mas eu diria que o mesmo se aplica a gêneros que são vistos como primariamente narrativos ou narrativos por excelência - você, companheiro latino-americano que não falava inglês quando criança e mesmo assim jogava RPGs, sabe que é possível apreciá-los através de aspectos visuais e mecânicos, mesmo que as particularidades da história não sejam capazes de superar a barreira linguística.

ZeroRanger ter uma narrativa encorpada e nada genérica não é nenhuma forma de ineditismo, portanto. Mas os usos que o jogo faz de sua narrativa são, se não únicos (uma palavra que sempre sou temerário em utilizar), muito interessantes em como complementam e se integram aos outros aspectos do jogo. Os devs tiveram uma incrível epifania de usar como seu tema mitos e aspectos das religiões indianas, em especial o conceito de Samsara. Se por acidente ou intenção, só posso dizer que fazer isso foi genial.

Samsara é o eterno ciclo de nascimento, morte e renascimento através dos mundos que rege a cosmologia de várias tradições filosófico-religiosas do leste asiático. Especialmente na perspectiva budista, esse ciclo é doloroso. Com o tempo sua alma se apega à sua vida terrena, apenas para sofrer com doenças, desapontamentos e, por fim, morte - e então recomeçar o ciclo de apego, sofrimento e morte mais uma vez. Os paralelos com a experiência num shump são fáceis de fazer. A medida que você vai mais longe, mata mais chefes, consegue pontuações maiores, cresce seu apego à "vida", sua vontade de vencer, só para uma bala aleatória lhe fazer perder tudo. Começa então um novo ciclo de vida e morte, aparentemente infindável.

Mas é possível escapar desse ciclo. Para as religiões indianas, a única forma de escape é através do acúmulo de perfeita sabedoria, karma e desapego material através de muitas e muitas vidas. Em ZeroRanger, a solução é mais simples: através da persistência. Se cada ciclo traz consigo mais uma vez a perspectiva de novo sofrimento, ele também te traz a certeza de que você está melhorando e superando seus limites.

Que você possa atingir a iluminação.
Posted 12 August, 2022. Last edited 23 July, 2023.
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0.2 hrs on record
Isso foi… Certamente uma forma de gastar 50 minutos de meu dia.
Posted 16 May, 2022.
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